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Mueda - 7 de Setembro de 1974 - A Paz ou a Guerra?

Sempre que penso sobre este tema, fico demasiado emocionado, digo mesmo a tremer por dentro e por fora.

Combati na Guerra Colonial em Sagal, Moçambique (cercado por 3 grandes bases da Frelimo) a 28 Km de Mueda, a capital da guerra, o local do célebre massacre de 16 de Junho de 1960 um dos episódios da resistência dos moçambicanos à dominação colonial, antes da luta armada de libertação nacional.

Entre fins de Abril de 1974 e 9 de Agosto, a minha companhia teve cinco mortos e dezassete feridos graves , entre os quais o primeiro sargento que ficou sem um braço. O abandono de Sagal foi de extrema violência. A derradeira coluna que envolvia 58 viaturas civis e apoio de pára-quedistas e apoio directo dos helis e fiats da força aérea.

A 7 de Setembro de 1974 reuniram as delegações de Portugal e da Frelimo em Lusaka, (Zâmbia) para a assinatura do Acordo de PAZ, que iria permitir a independência de Moçambique a 25 de Junho de 1975, e constituir um governo de transição misto Portugal/Frelimo na dependência do Alto Comissário, Almirante Vitor Crespo.

Tinham cessado as hostilidades em todas as frentes, vivia-se a alegria da Paz. As populações estavam felizes, as nossas tropas, partilhavam lado a lado com a Frelimo era um mundo novo, quase inacreditável

Certo dia peguei num unimog, dei uma boleia a mulheres do aldeamento, elas cantavam: «Vamos, vamos embora Madalena numa boleia. Viva Samora. Viva Machel. Viva a Independência do Rovuma ao Maputo».

Tinha criado um grupo de contacto directo e amistoso com a Frelimo, dado a coincidência de conhecer pessoalmente ,o Ismael Mangueira que foi meu colega na Universidade em Lisboa, grupo com dois ou 3 alferes, cinco ou seis sargentos milicianos e alguns soldados da nossa parte e da Frelimo incluía o Klint, engenheiro de telecomunicações formado na Hungria, o Michael estudante de engenharia na Roménia, o João o médico, o Camilo de Sousa (realizador de cinema) etc.

De referir que também fazia parte o meu amigo Furtado, o vaguemestre, o homem que tratava de nos dar de comer as Nt e à Frelimo. Recentemente num encontro no Pombal com Camilo e Manuel Gonçalves, revivemos o passado incluindo fotos e até as facturas da alimentação fornecida ao inimigo.

Mueda vivia cheia de alegria o inimigo agora era amigo, havia peças de teatro com miúdos da Frelimo e o professor. Os nossos militares tiravam fotos para memória futura, outros escreveram excelentes textos desses momentos de fraternidade.

Quando bebíamos umas boas cervejas geladas, as bazucas, com os amigos da Frelimo que já não bebiam há muitos meses, somos confrontados com uma revolta em Lourenço Marques, há a ocupação do RCM, Rádio Clube de Moçambique, pelo MLM, um movimento constituído por todos os movimentos políticos neocolonialistas e anti-Frelimo, e anti acordo de Lusaca e libertam os PIDES das cadeias semeiam o caos

Em Mueda, o grupo misto equaciona a possibilidade dramática de regresso à guerra, só que desta vez os progressistas portugueses estavam dispostos a ir para a mata ao lado da Frelimo.

O MLM , difundia mensagens que confundiam as pessoas, juntavam músicas de Zeca Afonso e outras e ao mesmo tempo apelavam à concentração dos colonos contra o acordo de Paz.

Apelo à imaginação do leitor ao que é estar na frente de combate, mais de 500 militares portugueses, mais de 100 elementos da Frelimo incluindo dirigentes de topo, mais de 200 militares da Tanzânia armados até aos dentes que estavam em trânsito para Maputo.

O que poderíamos fazer? As notícias são alarmistas, a comunicação social está dominada pela revolta contra o acordo de Paz, a Rádio Voz da Revolução da Frelimo admite o regresso à guerra, mas o CHERET os serviços de escuta das tropas portuguesas controlado pelo MFA entra em contacto com a Frelimo e garante que os militares portugueses são fiéis ao acordo de Lusaca.

Imagine-se a confusão desta gente toda armada e o que seria se isto representasse o regresso à guerra.

O grupo «do vermelho» desenvolve contactos o mais abrangente possível e pelo menos localmente a Paz continua, a guerra não volta. Em Maputo o inimigo perde e a Paz foi possível.

Três dias depois a situação estava normalizada mas com centenas de mortos em Maputo.

Sim, valeu a pena. Um abraço a todos aqueles que estiveram comigo em Mueda.

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