Crónicas

Talvez um pouco de Sol...

Há sempre um Verão especial em nós. Talvez por isso, as férias nesta altura do ano deixem sempre boas recordações. Momentos que ficam, memórias que deixam marca. Este ano, com a particularidade de vivermos uma pandemia que tornou tudo diferente. Acho, por isso, que quem tenha a oportunidade de gozar estes dias os absorva com outro significado. Mudam posturas, alteram-se formatos mas com a mesma finalidade. Desligar do Mundo que nos asfixia e dar ainda mais valor ao que realizamos juntos. Seja num simples mergulho no mar ou numa tarde passada à torreira do Sol. A Vida ganha um novo fôlego e nós, um pouco de ar, que nos permite regressar à dura realidade com outra disposição. Foi dessa forma que as vivi. Talvez com rotinas diferentes, outras preocupações, mas com a vontade de ser feliz só assim, bem junto dos meus, a experimentar sensações mais intensas e profundas.

Esta imagem que acompanha a minha crónica é o resultado das minhas. Pedi à minha prima Carlota de 5 anos um desenho que pudesse ilustrar, aos olhos dela, um momento que a tivesse marcado e que desse corpo a estes dias. Escolheu o dia em que saí da minha toalha com o meu Pai, em busca das bolas de Berlim que elas tanto gostam. Não podiam ser umas quaisquer. Tinham que ser as do Sr. Paulo que com as novas regras se encontrava na praia ao lado. O que ela não sabe é que o prazer de chegar aos colmos de palha com o saco mágico e ver o sorriso de felicidade que lhe invadiu a cara foi para mim tão ou mais saboroso que o que ela sentiu ao comê-la. Com as restrições que nos foram impostas, esse foi o refúgio que encontrei para me encontrar com a felicidade. O Mundo das crianças, onde o vírus não tem papel principal, onde os problemas da TAP não entram e o futebol é uma simples bola que desliza sobre a relva. Aqui as conversas falam das frutas com mais vitaminas, das abelhas que nos dão o mel, da Princesa Sofia ou da sereia Oona. Do tempo interminável que vai da digestão do almoço até à entrada na piscina. Da espera pelo gelado ao fim do dia e das risadas na varanda.

Em tempos difíceis como estes devemos privilegiar o contacto com os mais novos para encontrarmos o caminho para a tranquilidade. Ali onde o tempo não passa e as preocupações não existem. Onde a felicidade se constrói como um castelo na areia. Só eles nos podem transportar para uma realidade muito mais colorida, longe dos números de infectados diários e das sucessivas noticias contraditórias que nos baralham a cabeça. Quando tudo parece falhar e não se vislumbra qualquer luz ao fundo do túnel é para esse Mundo encantado, repleto de princesas e cowboys mas também de guloseimas, brinquedos e sonhos que devemos prestar especial atenção, na certeza de que não poderá existir o mais simples cantinho de descanso se não trespassarmos o desespero com aquela força que só eles parecem ter. A simplicidade nos gestos ou as atitudes vibrantes e intensas que nos absorvem para lá do confinamento e nos mostram que vale a pena lutar, nem que seja por eles, que merecem a mesma sorte que me calhou quando tinha a mesma idade.

Estas férias tiveram em mim o condão de despertar essa necessidade de me aproximar ainda mais dos membros mais novos da família (talvez também por saber que a minha irmã está à espera da primeira filha). De conviver com eles de uma forma mais profunda, não me limitando a sorrir ou a abanar a cabeça mas alimentando conversas sem estar muito preocupado em encontrar as respostas habituais. Quebrando ideias preconcebidas e dando-lhes aquilo que será sempre o nosso bem mais valioso e que a minha prima tão bem me lembrou. O tempo. É na nossa capacidade de o despender no que realmente interessa que estará o sucesso do nosso percurso. Esta altura do ano pode e deve servir para construirmos este tipo de relações e para bebermos um pouco do futuro entregando alguma da nossa experiência e do nosso conhecimento. Uma troca tão justa quão necessária. Para vermos o que nos rodeia de um outro ponto de vista. Mais além. Esse além para onde a minha prima me remeteu quando lhe perguntei onde estava ela no desenho. Resposta simples e lógica. Afinal não se via porque estava sentada, atrás de mim, a degustar o melhor do momento. A bola açucarada que lhe fazia as delícias à beira-mar. O que nos podem dar as crianças nesta época tão cinzenta? Talvez um pouco de Sol…

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