Análise

Inverter o sentido

Precisamos de gente de qualidade, sem agenda privada e sem vícios antigos

A novela em torno da Festa do Avante! tem uma única variante de relevo: afasta ainda mais as pessoas da política. Simpatias partidárias à parte, a teimosia do partido em realizar o evento de rentrée anual, mesmo num modelo diferente e seguindo as orientações de uma autoridade de saúde titubeante, não é útil para a democracia. Pelo contrário, emite sinais contraditórios. A edição deste ano da Festa fica marcada apenas pela contingência, pela birra comunista e pela cedência do governo aos caprichos do Comité Central, não fosse António Costa precisar do apoio do PC no próximo Orçamento do Estado. O Avante! que é uma marca sólida no panorama cultural do país atrai ao Seixal, todos os anos, milhares de pessoas de todos os credos partidários, acaba por ficar beliscado por uma polémica desnecessária e extemporânea, numa altura em que todos fazem sacrifícios e evitam aglomerados. Exemplos de arrogância política semelhantes, mas em latitudes diferentes, não faltam. Todos eles com o mesmo dom: repelem os eleitores.

A hostilidade crescente em relação aos políticos, estimulada também pelo empobrecimento de muita gente, vai aumentar com o agravamento das condições sociais e económicas. Os partidos e os políticos têm de reinventar o discurso e centra-lo no interesse das pessoas. E têm de divagar menos e olhar para além do horizonte eleitoral. Pelas declarações públicas a que temos assistido vamos ter mais do mesmo até às eleições autárquicas.

Por cá as acusações fúteis e a diabolização do Governo da República são um filão interminável. Serve para todas as ocasiões e Lisboa perpetua-se como raiz de todos os nossos males. Se há razão nalgumas reivindicações há espuma em demasia em torno de um pretenso contencioso autonómico, o que é redutor, especialmente num período duro para empresas e cidadãos. A nossa prioridade é tudo menos jogo político. Invertam o sentido enquanto é tempo, para não deixarem a porta escancarada a movimentos radicais que andam por aí com discursos populistas e demagógicos, o que é preocupante.

A crescente dramatização face ao Terreiro do Paço não acrescenta, nem dignifica. E renderá cada vez menos votos, convençam-se. Há muito trabalho de casa para ser feito, que vá ao encontro das dificuldades sentidas por muitos empresários, por muitos sectores. Alguns, que contribuíram no passado recente para o bem-estar de muitas famílias, já abandonaram o barco, cansados da teia burocrática, da carga fiscal elevada e das preferências do ‘sistema’ pelos amigos da mesma cor. Precisamos de gente de qualidade, sem agenda privada, nem preocupações domésticas de colocar familiares e amigos em lugares de destaque, para que o futuro seja digno e que prime pelo bem-estar colectivo.

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