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Até para o ano, Porto Santo

Foi durante a primeira quinzena de agosto de 2019 que a paciência terminou. Aparentemente, na habitual pacata cidade do Porto Santo, ninguém conseguia dormir.

Várias foram as denúncias e reclamações que, junto das ntidades competentes de segurança pública, municipais e até da comunicação social, condenavam as festas, respetivos organizadores e festeiros. A certa altura percebeu-se que o problema não era propriamente a realização das festas, mas sim o ruído que nelas era produzido atendendo ao local onde eram realizadas, havendo mesmo quem o comparasse ao ruído de um martelo pneumático utilizado em construção cujo prazo de entrega estava a queimar, funcionando noite dentro, sem qualquer misericórdia. Quem lá esteve garante que este ruído, através das respetivas vibrações, fazia gato-sapato das janelas das habitações, tornando o descanso numa miragem.

O assunto ganhou tamanha importância que foi alvo de diversas notícias na comunicação social e até de um “Especial de Informação” da RTP-Madeira que contou com a participação do presidente do município do Porto Santo. Visivelmente incomodado, Idalino Vasconcelos afirmou que no próximo ano a situação seria repensada, garantindo a luta por um dispositivo de segurança mais musculado e maior controlo quanto ao licenciamento de eventos futuros, em respeito não só para com os habitantes locais como para com os turistas que procuravam o sossego e descanso. Afirmou, contudo, – e bem - que é preciso encontrar um equilíbrio baseado no bom senso pois que o Porto Santo também precisa de comércio. Por fim, apelou ao civismo relativamente às situações de vandalismo protagonizadas, alegadamente, por malta jovem que se encontrava de férias no local.

Na altura, a postura do autarca surpreendeu-me: assumiu que havia um problema; assumiu, sem espinhas, a sua quota-parte de responsabilidade desde o primeiro

momento; procurou soluções com base no bom senso, que permitissem, por um lado, a realização de eventos e, por outro, o descanso dos residentes e visitantes. Não obstante, chegados a agosto de 2020, o Porto Santo volta a ser palco de situações menos boas, em parte semelhantes às ocorridas em 2019, o que demonstra que o assunto ainda não está inteiramente resolvido.

Em 2020, as medidas implementadas devido à pandemia – em especial as relacionadas com restrições no contacto e convívio entre pessoas e o fecho obrigatório dos estabelecimentos noturnos às duas da manhã – fizeram com que o problema do ruído, embora ainda presente em certas zonas, fosse atenuado. Como afirmei no passado, as questões relacionadas com a produção de ruído, em especial pela atividade dos estabelecimentos noturnos e respetiva clientela, podem ser fortemente mitigadas a partir do momento em que o PDM do Porto Santo - especificamente no que se refere às incompatibilidades funcionais no interior dos perímetros urbanos – seja devidamente respeitado e em que seja adotada uma postura de maior cuidado e acompanhamento no licenciamento de certos eventos, nomeadamente afastando determinadas atividades noturnas para longe dos centros habitacionais urbanos onde, a partir de determinadas horas, o descanso deve prevalecer. Solução que com certeza não será inteiramente pacífica, pois que implica desde logo a determinação de um lugar que reúna as condições necessárias para o efeito (tanto para o público-alvo como para os empresários, de preferência), forçando certos empresários à escolha, sempre difícil, entre a clientela do dia (centros urbanos) e a clientela da noite (fora dos centros urbanos), ao contrário do atual funcionamento híbrido que permite a determinados estabelecimentos receber ambas as clientelas num só dia.

Contudo, se em agosto de 2019 o tema era o ruído, um ano depois foi a alegada falta de civismo demonstrada por certos sujeitos que, não se bastando com a prática de atos menos honrosos, fizeram questão de partilhar as façanhas nas redes sociais, com claro sentimento de impunidade. Quem bem conhece o Porto Santo diz que nada disto é novo. Que já viram muito pior.

Que muito do que aconteceu em anos anteriores não chegava ao conhecimento público. Que quem nunca errou na vida que atire a primeira pedra. Da minha parte, acredito que se não fossem as publicações na internet e respetivas partilhas o assunto não teria atingido semelhante magnitude junto da opinião pública. Seja como for, é já o segundo verão seguido em que o Porto Santo dá que falar devido a problemas relacionados com a falta de ordem, de cidadania e de respeito para com o próximo. Como bem afirmou o referido autarca em 2019: “há um Porto Santo diferente em agosto.”. Concordo. O passado demonstra que o Porto Santo de agosto exige ainda mais rigor nas medidas de segurança pública, maior controlo e supervisão nos centros de diversão e, em certos casos, rédea curta até à comprovação de certo nível de maturidade. Não se pode tratar o que é diferente por igual. O Porto Santo do resto do ano, por sua vez, pode ser mais rigoroso no planeamento urbano e na emissão dos respetivos licenciamentos, em especial no que toca aos espaços de diversão noturna e a sua relação com os centros habitacionais urbanos.

Como aconteceu em 2019 relativamente ao presente ano, fico à espera do Porto Santo de agosto de 2021. Esperemos que ele chegue com mais civismo, responsabilidade e maturidade para alguns. Mas, de preferência, sem COVID para todos.

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