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Crónicas

O bom, o mau e o patinho feio

O Ronaldo das finanças virou patinho feio do governo. Mas Centeno escondia um último truque na manga: o Banco de Portugal

Em 2017, o país chorou a tragédia de Pedrógão Grande. Num só dia, perderam-se 66 vidas. Ao fogo seguiram-se as promessas. Costa jurou o fim dos eucaliptos. Prometeram-se planos para prevenir os incêndios. Sonharam-se projetos-piloto para a floresta. Marcelo prometeu ao Sr. Manuel, esvaído em lágrimas e a quem o fogo levou a casa, que tudo ficaria resolvido em três meses. Nada podia ficar como dantes. Três anos depois, os eucaliptos continuam ubíquos. Os planos foram adiados. Os projetos para a floresta nunca saíram do papel. E o Sr. Manuel não chegaria a ver os 83 anos, nem a casa que o Presidente da República lhe prometera. Em Pedrógão, nada podia ficar como dantes. Mas ficou.

O bom: Madeira Mar Profundo

O documentário “Madeira Mar Profundo” conta a história de dez mergulhos, a bordo do submarino “Lula 1000”, na costa sul da Madeira e junto às Ilhas Desertas. É um registo histórico e fascinante. Ver o submarino a aterrar no fundo arenoso da Crista entre a ilha da Madeira e as Desertas, a mil metros de profundidade, emociona e oferece perspetiva. Somos profundamente pequenos. E o fascínio da chegada a esse mundo novo, é evidente na cara dos três ocupantes que, ao longo do filme, tripulam o pequeno e apertado “Lula”. Para eles, cada mergulho é uma lotaria. O encontro de Manuel Biscoito com uma desconhecida floresta de laminárias. O mergulho noturno de João Delgado no Mar das Espadas, em busca do peixe-espada que não chegaria. A beleza das imagens só é vencida pelo sorriso dos biólogos confrontados com a vida do que sempre viram morto. Na verdade, essa realização é a maior lição do documentário. Há vida no fundo do mar e, tantas vezes, esquecemo-nos disso. A prova disso é a quantidade de lixo que, embora estranho ao mar, ali persiste. Também é esse o propósito do “Madeira Mar Profundo” - conhecer e proteger o nosso património natural. O mesmo trabalho que diariamente é desenvolvido no MARE - Madeira, sob o comando do João Canning-Clode, e que tantas vezes nos passa despercebido. Haverá muito mais a descobrir sobre o fundo do nosso mar. Este foi apenas o primeiro passo.

O mau: As estátuas

Esta semana, três estátuas juntaram-se no Palácio de Belém para anunciar que a Liga dos Campeões seria disputada em Lisboa. Uma das estátuas dedicou o prémio aos profissionais de saúde. Consta que os jogos olímpicos ficarão para os professores, o campeonato do mundo para os bombeiros e a final da Taça de Portugal para os polícias. Não há notícia de que as estátuas tenham sido vandalizadas após o anúncio, mas a vergonha alheia saiu gravemente ferida. Não haverá melhor imagem do ponto a que chegámos. Um presidente, um governo, uma maioria. Ao presidente não lhe basta ser reeleito. O seu verdadeiro apelo é ser popular. E por isso ziguezagueia entre os temas como lhe dá mais jeito. Não comenta o financiamento do Novo Banco, mas revela estar estupefacto com a hipótese. Não quer falar de eleições, mas já recolheu o apoio de Costa e almoçou com Rio para o mesmo propósito. Ao governo tudo é permitido. Escrevinhar a recuperação da economia num guardanapo. Decretar um milagre nacional enquanto a Europa nos fecha as fronteiras. Até inventar normas comunitárias para exigir à Madeira, o que se pediu a Bruxelas para adiar. Para a maioria vale tudo. O PS votou contra as propostas de alteração à Lei das Finanças Regionais. As iniciativas passaram por larga maioria. Não satisfeitos, os socialistas tentaram impedir que a lei fosse finalizada a tempo de adiar o pagamento da dívida. Os três deputados do PS local que votaram a favor para a fotografia, nada disseram da jogada. Afinal, não foi só em Belém que se juntaram três estátuas.

O patinho feio: Mário Centeno

Um homem é ele e a sua circunstância. Hoje, Mário Centeno é o mesmo político que, em 2015, coordenou o cenário macroeconómico do PS. Acanhado, matreiro e cioso das contas certas. Mas a sua circunstância mudou. É essa a sina dos ministros das finanças nos governos socialistas. Empecilhos à espera de acontecer. Foi assim com Pina Moura, no governo de Guterres, com Campos e Cunha e Teixeira dos Santos no malfadado consulado de Sócrates. Centeno não foi diferente. Longe vão os dias em que a redução do défice arrancava elogios aos mais céticos. Ainda mais longe, os tempos em que o ministro desfilava no Eurogrupo, para gáudio nacional, com um vistoso cachecol da Seleção ao pescoço. Num partido com três bancarrotas no currículo, Centeno foi estrela inesperada. Até que as cativações se acumularam e o peso da maior carga fiscal de sempre tornou-se, ano após ano, insuportável. À esquerda do PS, o inédito superávite causava mais embaraço do que orgulho. Depois veio o Novo Banco e os 850 milhões perdidos numa falha de comunicação. Nesse momento, Marcelo assinou a sentença do ministro. A transformação de Centeno estava completa. O Ronaldo das finanças virou patinho feio do governo. Mas Centeno escondia um último truque na manga: o Banco de Portugal. O Presidente da República deu a bênção. Bloquistas e comunistas apressaram-se a dizer que são contra, mas vão chumbar a lei que impede o assalto. O caminho está livre. Centeno será governador e o Banco sucursal do governo.

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