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Crónicas

O bom, o mau e o testa-de-ferro

O PS nacional ficou sozinho a defender o garrote financeiro à Madeira e a exigir-nos 48 milhões de euros até ao final de Julho. Afinal o anúncio dos 500 milhões de euros, não era influência do PS local, era desculpa do primeiro-ministro

Quantas pessoas fazem um ajuntamento? Depende. Nos estádios de futebol faz-se sem adeptos nas bancadas, mas duas mil pessoas no Campo Pequeno não foram suficientes para lá chegar. Um avião cheio de passageiros não é um ajuntamento, mas um restaurante, com mais de metade da sala cheia, arrisca um atentado à saúde pública. O 1.º de Maio festejou-se com centenas de sindicalistas e o Governo não viu qualquer ajuntamento. A mesma aritmética invocada para o 25 de Abril. A democracia não está suspensa e os dias importantes têm de ser celebrados. Agora avisam-nos que o Dia de Portugal só admite uma cerimónia com 8 pessoas. Já percebeu o que é um ajuntamento? Simples. É como lhes der mais jeito.

O bom: Grupo AconXego – Naninhas do Bem

À crise de saúde pública seguir-se-á a crise económica. Ouvimo-lo todos os dias. Dos sindicatos, dos empresários e dos governantes. Há unanimidades que não enganam. Os primeiros sinais estão à vista, para quem os quiser ver. As esplanadas vazias, os restaurantes de porta fechada, as ruas à espera de gente que não virá. Cada imagem esconde mais do que uma história de dificuldade. Não há governo ou orçamento que, sozinho, consiga enfrentar o que aí espreita. Lentamente, a linha da frente deixará de ser nos hospitais e nos centros de saúde e passará para as instituições sociais e de solidariedade. A próxima pandemia não será do vírus, mas da escassez. É por isso que todos os que ajudam merecem destaque. Não só pelo reconhecimento, mas para que a ajuda se multiplique. É o caso do Grupo AconXego – Naninhas do Bem. Ao longo do ano oferecem “naninhas” – pequenas almofadas em forma de cão – às crianças que passam pelo serviço de pediatra do hospital e que, depois, as acompanham no regresso a casa. Durante a pandemia, juntaram-se à ACDR São Martinho e começaram a trocar máscaras por alimentos doados. A ajuda já chegou a mais de 30 famílias. Mas o trabalho não acabou. Todas as semanas, continuam a chegar doações de máscaras e de “naninhas”. Com gente assim, o futuro não assusta.

O mau: António Costa

O maior governo da história da democracia declarou-se incompetente para a governação. Ao todo são 19 ministros e 50 secretários de estado. Todos trocados por um consultor. António Costa e Silva foi escolhido pelo primeiro-ministro para delinear a estratégia de recuperação económica do país. Um plano a 10 anos. Um plano sobre tudo, porque haverá pouco mais a fazer para além de recuperar o país. O convite foi feito a 24 de Abril e a 25 o plano estava concluído. Das duas uma. Ou o documento já vinha feito ou estamos metidos numa alhada. Mas a questão central nem é a competência do conselheiro que parece ministro. O que choca é a opacidade da nomeação e a normalidade que se lhe seguiu. Como sempre, António Costa gere o Governo com a informalidade de quem organiza a sua festa de aniversário. Foi assim com o amigo Lacerda Machado e agora repete-se com Costa e Silva. Mas em vez de ajudar na recompra da TAP, o ministro clandestino decidiu sozinho a próxima década de Portugal. Fê-lo em segredo e sem mandato para a missão. Fê-lo sem ouvir o país que planeou recuperar. Até o Presidente da República ajudou à encenação, desvalorizando o caso. A verdade é que Costa e Silva terá todo o poder de um ministro e nenhum dos deveres. Por isso, será o alibi perfeito para um primeiro-ministro que já percebeu que o futuro será difícil. E isso é um problema. A não ser que seja o verdadeiro plano. A sobrevivência de António Costa.

O testa-de-ferro: Paulo Cafôfo

Uma das tragédias da vida é tornar-se naquilo que se detesta. Por vezes, parece que isso está a acontecer a Paulo Cafôfo. O homem que anunciava uma nova forma de fazer política e que criticava quem via na República a fonte de todos os males da Região, deu lugar ao pragmatismo de quem se rendeu, rapidamente, à política confortável. Haverá maior aconchego político do que ser porta-voz do primeiro-ministro? O problema é quando esse papel assenta que nem uma luva na narrativa do adversário. Se o PSD tudo culpa a Lisboa, Paulo Cafôfo tudo desculpa a António Costa. Muitas vezes em prejuízo próprio. Veja-se a tão badalada autorização de endividamento. No final de Março, Cafôfo rejeitava mais dívida para a Madeira. Uma semana depois, anunciava a solução para os nossos problemas. Curiosamente, uma autorização de dívida ainda maior do que a que tinha sido reclamada. Se poucos perceberam a reviravolta, ninguém percebeu como é que se aceita nova dívida, mas se rejeita adiar o pagamento da dívida existente. Até Carlos Pereira desalinhou da posição de Cafôfo. Entretanto veio o debate na Assembleia da República e tudo ficou mais claro. O PS nacional ficou sozinho a defender o garrote financeiro à Madeira e a exigir-nos 48 milhões de euros até ao final de Julho. Afinal o anúncio dos 500 milhões de euros, não era influência do PS local, era desculpa do primeiro-ministro. Mais do que o argumento, o problema é a arrogância de quem atropela as instituições em seu proveito e a disponibilidade de quem aceita ser portador dessa soberba. Ontem foi o ferry que já tinha cais em Lisboa, hoje a dívida e amanhã será outra coisa qualquer. Cafôfo não é porta-voz da República, é testa-de-ferro de António Costa.

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