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25 de Abril

Ontem foi 25 de Abril. Vou colocar-me à margem das discussões acerca da celebração ou não, na Assembleia da República e na Assembleia Regional, da Revolução de Abril. A maior parte dos que teimaram em criar uma excepção, à ordem de confinamento geral que vigora, não tiveram qualquer relação com o acontecimento que ontem se celebrou.

Por circunstâncias da minha vida, participei, há 46 anos, no “25 de Abril de 1974”.

Era alferes miliciano da Força Aérea (onde servi cinco anos) e fui o primeiro oficial miliciano a pertencer à Assembleia da Força Aérea, do MFA, como delegado da minha unidade. Fui convidado a participar no Movimento, por Melo Antunes, juntamente com o meu amigo João Cardoso, à época alferes miliciano do exército português, militante clandestino do PAIGC e futuro Ministro da Energia da Guiné-Bissau.

Foram tempos que marcaram toda a minha vida futura. Como parece que, actualmente, já pouca gente se lembra (ou não viveu) o que esteve na origem do MFA, deixo aqui um poema que escrevi, há uns anos, acerca do tema.

Abril

Havia anos, muitos anos, que o povo esquecera a liberdade

muitos, muitos anos, que havia patronos a dirigirem a vida de todos

gerações que nasciam e morriam sem levantar a cabeça

sem poderem olhar-se ao espelho, sem abrirem a janela do pensamento.

Raros os que rompiam o silêncio opressivo que se respirava na nação

raríssimos os que, arriscando a vida e o sossego, saíam à rua

cantavam nas praças, gritavam a dor de todos os esquecidos.

Os avós reprimiam os netos, os maridos as mulheres estas os filhos

o silêncio doloroso pairava por sobre todo o território

o degredo, a prisão, a loucura, a morte, a desgraça.

Mesmos os suspiros careciam de carimbos e autorização

os pensamentos escondiam-se nos recantos do cérebro

com receio de os seus ecos serem ouvidos pelos esbirros do poder.

Os encontros eram sempre furtivos e clandestinos

as cabeças espreitavam por sobre os ombros, cheirando o medo.

Pátria, deus e família, Fátima, fado e futebol, fome, ignorância, destino

todos de chapéu na mão direita e na esquerda a bandeira

no peito o receio, nas costas o peso do mundo, no bolso a miséria

o futuro destinado e planeado por quem sabia, por quem comandava

a vida regulada pela subserviência, pela sobrevivência, pelo fatalismo

e muita, muita gente, cansada, adormecida, ausente, conformada

e muita, muita gente, que procurava no mundo o que não possuía em casa.

A guerra como pano de fundo, o emprego como moeda de troca

o fatalismo de quem veste de preto por fora e por dentro a bem da nação

as paredes invisíveis que separavam os outros de nós, nós dos outros

os outros que antevíamos com esperança como eleitos da sorte

que achávamos que nunca poderíamos igualar e alcançar

a vergonha de ter de explicar porque não lutávamos

porque deixávamos que nos esmagassem, que nos controlassem

a troco de trinta moedas, de paz podre, de felicidade pobre.

Quatro paredes caiadas, um cheiro a alecrim, uma imagem benta.

Um dia, uma madrugada de abril, um alvoroço anunciado.

A liberdade partiu as janelas e entrou violentamente

pela mão dos mesmos que a tinham ignorado toda a vida

pelo cansaço da força das armas dos que mantinham o poder

pelos braços ao alto dos que não podiam calar mais a desgraça

pelas flores rubras que substituíram as balas desnecessárias.

Gritar até que a voz nos doa, cantar até que valha a pena.

Agora vamos ser felizes, vamos salvar a pátria e o mundo

não haverá mais enganos, dor, servidão, injustiça

finalmente vai cumprir-se o destino do povo e de Portugal.

Nem mais um soldado para a guerra, nem mais um colono!

O povo envolveu-se no turbilhão dos sentimentos, da paixão

tudo parecia, finalmente, fazer sentido, ser urgente, ser real

todos os excessos eram necessários, toda a catarse precisa, inadiável

éramos todos irmãos separados há muito pelos muros da opressão

tínhamos, por fim, um destino comum a cumprir, a honrar.

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