Crónicas

O bom, o mau e as virgens

Quem milita na área política à direita do PS, há muito habituou-se ao fascismo por osmose.

Ao contrário do que possam pensar, acho essencial a realização da Festa do Avante. Todos sabem como é fundamental para a defesa dos trabalhadores, assistir a mais um concerto da Brigada Victor Jara. Sem este festival de música, perdão, atividade política, não seria possível ao PCP angariar 2 milhões de euros, como fez na última edição. E eu não tenho dúvidas que esse dinheiro foi todo usado na luta contra o grande capital. Aliás, essa é uma luta tão importante, que o Estado a dispensa de pagar impostos. Boas férias, camaradas!

O bom: Miguel Nunes

Não me lembro da primeira vez em que vi o Miguel Nunes num rali. Mas recordo-me de quando o piloto me ficou na memória. Corria o ano de 2009 e o campeonato regional de ralis precipitava-se para um final épico no Rali do Faial. Miguel Nunes e Alexandre Camacho separados por um ponto - quem ganhasse o rali, ganharia o campeonato. Seria difícil escrever melhor final que este. O Miguel foi mais rápido na curta e sinuosa passagem pelo kartódromo, mas a vantagem para o Alexandre era, mais do que tudo, simbólica. Até que veio o 2º dia de rali e, com ele, o primeiro desafio na estrada. E foi aí, em plena competição, que a máquina traiu o piloto. O carro do Miguel tinha perdido o fôlego. O que se seguiu foram cinco minutos de um desespero indiscritível, partilhado entre piloto e co-piloto. As imagens do interior do carro são as de um mundo a desabar. Primeiro, disfarçado de dúvida e lentamente transformado em certeza até tornar-se inevitável. Tudo acabava ali. Poucos teriam chegado ao fim da especial. Ainda menos teriam continuado a competir nos anos seguintes. O Miguel conseguiu as duas coisas. E o azar de 2009, juntamente com a infelicidade de 2017, tornam esta vitória no Rali Vinho Madeira especial. Não por ser a primeira, mas porque é uma vitória de quem assumiu o infortúnio para reclamar a esperança. De quem nunca se entregou ao destino. Esse é o simbolismo do triunfo do Miguel, do João Paulo (porque os co-pilotos também ganham ralis) e da sua equipa – não há azar que dure para sempre.

O mau: O fim do lay-off simplificado

Criado nos anos 80, o lay-off simplificou-se com o vírus e, por isso, impediu uma erosão do emprego maior do que a paralisação económica, por si, produziria. Mas todos sabiam que à simplificação seguir-se-ia um regime mais exigente para as empresas. O que não se pensou era que isso acontecesse tão cedo. Agora chamam-lhe apoio à retoma progressiva, mas o nome pomposo não esconde do que realmente se trata. Um apoio insuficiente a uma economia que ainda não recuperou. Limitam-se as isenções do pagamento de Segurança Social, a redução dos horários de trabalho é mais exigente e é pedido um esforço financeiro adicional ás empresas. Se é discutível a sustentabilidade económica e financeira da continuação da medida original, é também impensável que um país que vive do turismo não tenha um regime pensado, especificamente, para os milhares de empresários que desesperam por turistas. Até porque se trata de uma atividade sazonal e que vê o apoio reduzido, precisamente, na altura em que mais dele precisa. Especialmente no turismo, o fim do lay-off simplificado será o fim de muitas empresas.

As virgens: A esquerda portuguesa

Enquanto o país se divide entre a apatia dos banhos de praia e a emergência dos incêndios florestais, Miguel Albuquerque abriu a porta do PSD ao Chega. É certo que Rui Rio já tinha aberto a janela dos social-democratas a André Ventura, mas a dignidade da entrada anunciada, é outra. A hipótese adiantada por Rio e Albuquerque levanta questões pertinentes. Deve o PSD federar o espaço político à direita do PS, como fizeram os socialistas em 2015? Essa união à direita tem alguma linha vermelha? E, por fim, o PSD existe como alternativa ao PS ou apenas para ser sua muleta sempre que a esquerda lhe falhar? Pouco, ou nada disto, se discutiu. Mas o que faltou em debate, sobrou em indignação. Depois da entrevista de Albuquerque, não tardaram as vestes rasgadas, os clamores pelo regime democrático em perigo e o prenúncio que os fascistas preparavam o assalto ao país. Quem milita na área política à direita do PS, há muito habituou-se ao fascismo por osmose. Da mesma forma que o país se habituou a tratar com desprezo, justo e merecido, a extrema-direita e com candura, pura e ingénua, a extrema-esquerda. A discriminação terá uma razão histórica, com proteção constitucional, mas também tinha linhas vermelhas, desenhadas por Soares em 1975. Até que, em 2015, o pragmatismo de António Costa sobrepôs-se à ideologia (e às eleições) e juntou o que Soares tinha, sabiamente, separado. Curiosamente, os espíritos virgens que se assombram com o sermão do Chega, relativizam o discurso e a história de comunistas, trotskistas e afins. O mal de um extremo não justifica o mal do outro, mas normaliza-o. Quem se indigna com um, não pode dar a mão ao outro. Ainda que politicamente afastadas, a extrema-direita e a extrema-esquerda têm uma coisa em comum: não fazem falta ao país. Não há um extremo que é mau e outro que é tolerável. Ou alguém acha que o Bloco e o PCP são partidos democráticos? Olhe que não, olhe que não!

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