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Não pactuamos com Cartéis!(II)

Tinha alguma esperança que o Governo Regional pudesse ter bom senso, e acima de tudo, que cumprisse com as elementares regras de transparência e boa gestão do erário público, em relação aos procedimentos da construção do novo Hospital Central da Madeira, mas a esperança é cada vez mais ténue.

Depois do inusitado concurso público para a empreitada de 205 Milhões de Euros que ficou deserto, após um processo de pré-qualificação de concorrentes (já aqui voltaremos), no final de julho sai uma notícia no Diário através de uma fonte oficial do Governo Regional, sem se dar a conhecer, que agora o Executivo irá lançar a empreitada através de duas fases, uma para as escavações e contenção, outra para os edifícios e demais infraestruturas.

Se em termos de contratação pública poderá estar em causa o fracionamento da despesa, não havendo alteração do objeto do anterior concurso, sendo que o contrato tem de ser visado pelo Tribunal de Contas, lemos mais pasmados sobre a intenção de facto de aumentarem o valor da empreitada em mais 50 Milhões de Euros! E justificam, porque foi essa a indicação das construtoras que consideraram insuficiente o valor base para o caderno de encargos.

50 milhões a mais não são 50 tostões… estamos a falar de aumento de 25% do valor total da empreitada, que é dinheiro dos impostos de todos os contribuintes, porque os consórcios escolhidos na qualificação, naquela que é uma das maiores empreitadas de obras públicas a decorrer em Portugal não entregaram qualquer proposta, justificando, todos (!), que o valor de um projeto que está a ser preparado há 6 anos tendo passado por inúmeras reuniões preparatórias e de qualificação, não é suficiente.

50 Milhões de Euros equivale a 10x mais o valor disponível do fundo de emergência criado pelo GR para acudir às famílias em dificuldades. É 5x superior aos investimentos totais do plano previstos pela Secretaria de Saúde. É 3,5x superior ao investimento estimado para a área do Ambiente. O dobro da Educação. Muito mais comparações se poderia fazer.

Nem por acaso, esta semana saiu um retrato do Presidente da Mota Engil no Jornal de Negócios, num ranking realizado sobre os mais poderosos do País, onde novamente se refere o problema da concorrência da “armada espanhola”, que integram também consórcios que se qualificaram para o concurso do novo hospital.

Entre o início de 2019 até meados de 2020 adjudicaram-se cerca de 1.430 Milhões de Euros de contratos de obras públicas, tendo as construtoras portuguesas assegurado apenas cerca de 30% dos contratos, com as construtoras espanholas a ganharem cerca de 1000 Milhões de Euros nos concursos.

Em termos proporcionais, a empreitada do novo hospital da Madeira representa 15% do total adjudicado num ano em todo o País. Como justificar então que nenhuma das grandes construtoras, que não falham um único concurso de obras públicas, tenham feito qualquer proposta? As duas maiores empreitadas ganhas pela Mota Engil neste ano foram no valor de 74,7 Milhões de Euros e 73,5 Milhões de Euros, que somadas não fazem o total do nosso novo hospital.

Quer então a tal fonte oficial do Governo Regional fazer-nos crer que as escavações são de uma enorme complexidade técnica, uma “intervenção pesada”, que certamente exigirá engenharia de “ponta” para escavar milhares de toneladas de inertes e metê-los dentro de camiões, além da consolidação de taludes, coisa que quase humoristicamente tentam justificar na dita notícia. Chega a ser hilariante referirem-se ao consumo de combustível dos camiões, quando os preços de gasolina e gasóleo estão em mínimos dos últimos 5 anos…

Naturalmente, o valor base indicado para o concurso que ficou deserto foi indicado com base em critérios objetivos, os preços atualizados do mercado, certamente foi alvo de consulta prévia, e os custos médios unitários calculados da avaliação de outros procedimentos de obras públicas. Quanta criatividade é então necessária para aumentar em mais 50 Milhões de Euros esta obra? A culpa é da pandemia, querem-nos tentar justificar. Mas há alguma obra pública neste País que tenha ficado mais cara devido à pandemia? Bem pelo contrário! A concorrência é cada vez mais feroz, e muita da matéria prima está mais barata.

O que é então um cartel? Diz-nos a Autoridade da Concorrência que a colusão entre empresas corresponde a um acordo entre empresas com atividades concorrentes de modo a restringir a concorrência e obter assim um controlo mais eficaz do respetivo mercado. Continuando a citar, uma forma de colusão particularmente relevante, no âmbito das obras públicas, é aquela que sucede na apresentação de propostas a concursos públicos. Ou seja, uma situação em que os concorrentes se coordenam previamente, de forma ilícita, para obter benefícios à custa do erário público. Uma dessas formas a título de exemplo é a supressão de propostas, ou seja, quando os concorrentes acordam em não apresentar propostas, para que um outro concorrente pré-designado seja o vencedor e possa cobrar um preço mais elevado. Também existe a figura das Propostas Sombra, que têm por único objetivo dar cobertura à proposta vencedora, introduzindo informações erradas no processo do concurso, induzindo artificialmente os preços.

No meu primeiro artigo sobre este assunto julgo que não fui claro quanto aos procedimentos que iremos tomar se o Governo Regional decidir avançar com esta escandaleira. Se tudo se concretizar como as fontes oficiais andam a ensaiar, faremos queixa no Ministério Público, Autoridade da Concorrência e Tribunal de Contas, para que tudo seja investigado e escrutinado.

Já chega de brincar com o dinheiro dos madeirenses e porto-santenses. Se membros do Governo Regional estão envolvidos em qualquer esquema ilegal ou ilícito relacionado com o novo Hospital Central da Madeira, saberemos mais cedo do que tarde.

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