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“Da porta para fora ...”

Os tempos de mudança acelerada e de incerteza generalizada, que se têm vivido nas últimas décadas, ganharam contornos muito peculiares com a atual pandemia. Desta vez, direta ou indiretamente, toca a todos (das estâncias de Ski aos bairros degradados) e assim promete continuar nos próximos tempos.

Temos assistido a medidas sem precedentes de controlo da nossa vida individual e coletiva, com cenários que dantes apenas víamos em filmes e séries de ficção.

Contudo, apesar destes últimos meses de intensa “incerteza” ... será que verdadeiramente apreendemos alguma coisa? Ou seja, será que os constrangimentos a que temos sido sujeitos, apesar de muito relevantes, foram suficientes para nos levar a mudar comportamentos?

Temos sérias dúvidas que tal tenha acontecido, pelo menos de forma duradora. Um pouco tal como se passa com aqueles que tiveram algum susto ao nível da saúde e, na altura, “prometeram” mudar de vida, mas depois, assim que passa a aflição, voltam aos velhos (maus) hábitos e rotinas.

Veja-se o que se passa com algumas das medidas que têm sido implementadas, nomeadamente as que concernem ao distanciamento social, ao uso de máscaras e meios de higienização.

Da porta para dentro, ou seja, nos estabelecimentos de ensino (do básico ao universitário), nos serviços públicos, nos estabelecimentos comerciais, etc. aparentemente as recomendações e as imposições têm sido seguidas à risca. Existe um número restrito de alunos, utentes e clientes em função dos metros quadrados dos espaços, corredores de circulação que não se cruzam, ventilação reforçada, uso de máscaras, álcool gel em cada “esquina”, etc., etc. Contudo, assim que se sai da porta para fora, parece que é outro mundo, que não há pandemia, que o risco de contágio não existe e, generalizadamente, impera a franca cavaqueira numa espécie de reino dos “beijos e abraços”.

A título de exemplo, facilmente se constata que alunos de turmas que tiveram de ser divididas por duas ou três salas para realizar exames, fora das instalações estão todos juntos, lado a lado, sem máscara, a analisar as possíveis respostas ou a festejar o início das férias. Depois, se existir algum contágio em cadeia, logo se apregoa que há um surto em determinada Escola, Universidade, Serviço, cidade, etc., o que, dependendo da escala, pode inclusive ter repercussões generalizadas na atividade produtiva e vida social de toda uma região ou país.

Contudo, não estaremos a ser justos se associarmos este tipo de comportamento “negligente”, essencialmente aos jovens. Será que os convívios familiares alargados, as almoçaradas e jantaradas com os amigos, o uso inadequado da máscara ou a sua não utilização quando se está com mais pessoas, o não retirar a roupa e calçado e não tomar banho quando se chega a casa, etc. será muito diferente do comportamento que criticamos nos jovens?

É verdade que não existe risco zero. Podemos ser cuidadosos e mesmo assim ficarmos infetados e infetar outros, mas temos, dentro das nossas possibilidades, de tentar reduzir os riscos.

No entanto, parece que muitas vezes, porventura a maioria das vezes, só o fazemos se formos obrigados. Nada que surpreenda, pois, as pessoas não foram formadas através de uma “pedagogia funcional” onde prevalece a compreensão os fenómenos, a análise de diferentes perspetivas e as vantagens e desvantagens de cada opção. Pelo contrário, foram formatadas (em casa, no sistema educativo e desportivo, nas relações sociais, ...), predominantemente, através da “pedagogia do medo” aliada à “pedagogia da repressão”. Ou seja, de forma muito simples, “não deves fazer x para que não te aconteça y” (não comas isso, para não ficares obeso...), “se não fizeres x és punido” (tens negativa, não jogas, apanhas uma multa, vais preso, ...).

É assim natural que se pense que se não é obrigatório ter determinado comportamento é porque não deve ser muito importante...

Com esta pandemia tudo isto ficou bem evidente, sendo que, mesmo depois das consequências estarem à vista de todos, continua a ser necessário obrigar as pessoas a fazerem aquilo que deveria ser um comportamento natural em cada um.

Não é assim de estranhar que algumas regiões e países se vejam obrigadas a reforçar as medidas restritivas, incluindo o uso obrigatório de máscara na rua.

Ainda é possível cada um fazer a sua parte para evitar extremismos, que facilmente levam ao totalitarismo. Mas o tempo começa a escassear... A resposta que dermos durante a pandemia pode ajudar a definir o futuro.

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