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Crónicas

Nós, os moderados, em vias de extinção...

Parece-me óbvio que existe ainda muito racismo pelo Mundo. Talvez mais ostensivo em países mais problemáticos, mais camuflado por cá, mas ele existe

O clima é de guerra e pelos vistos ou escolhemos um lado da barricada ou sistematicamente a escolhem por nós, sem aviso prévio. É neste Mundo crispado e perigoso em que se hasteiam bandeiras e se extremam posições que vivemos. A radicalização do discurso mas também de posições toma cada vez mais conta das pessoas que se resumem em dois verdadeiros blocos. A favor e contra qualquer coisa. Comunistas ou fascistas. Uma sociedade “borderline” onde as redes sociais se tornaram palcos perfeitos para um acicatar do ambiente, onde muitas das vezes, mentes obscuras com objectivos incendiários se escondem por trás de perfis falsos e de fake news (notícias falsas). Onde prolifera a ofensa gratuita. Terreno ideal para oportunistas que se servem da instabilidade, do desequilibro e da falta de valores, para semear a discórdia e ganhar com o mal dos outros. Não há extremismo bom seja à esquerda à direita ou lá onde for. Nem um é melhor que o outro, como as vezes querem fazer parecer crer.

Mas a culpa é nossa, dos moderados. É por isso que caminhamos para ser declarados “espécie em vias de extinção”. Porque muitas vezes sucumbimos ao politicamente correto. Porque deixámos andar quando devíamos ter agido. Porque usámos e abusámos do bicho papão que nos trazia à memória a história recente e que nos levava a pensar que era tudo melhor que aquilo. Porque nos desleixámos nesta democracia enviesada em que se pode ser corrupto desde que se vista um fato. Porque deixámos que as populações fossem chamadas a contribuir perante autênticos roubos e nunca chamámos à colação quem prevaricou dando a sensação de uma impunidade que tudo a poucos permitiu, aprovando silenciosamente uma sociedade desigual, injusta e egoísta. Porque fomos nós que andámos consecutivamente a fugir de colocar o dedo na ferida em relação a diversos temas importantes por medo de ferir suscetibilidades. Porque as pessoas cansaram-se.

O resultado está à vista. Parece-me óbvio que existe ainda muito racismo pelo Mundo. Talvez mais ostensivo em países mais problemáticos, mais camuflado por cá, mas ele existe. E tem que ser erradicado. De todas as formas e feitios, seja de quem for para quem se dirija. Seja na polícia americana ou na chinesa, mas também aquela que ainda hoje mata tantos milhões em África sem que ninguém se preocupe. Como o caso da escravidão que existe na região do Sahel, em que a escravatura continua entranhada na sociedade. Quem comete atos racistas deve ser severamente punido e na nossa educação escolar, temos que começar a ter um discurso mais inclusivo que vá de encontro a uma maior igualdade entre raças e equidade de oportunidades. Porque na verdade, se perguntarem a alguém se é racista , rapidamente dirão que não, mas nas pequenas coisas, nos detalhes mais simples demonstram permanentemente um discurso xenófobo e racista. Sai-lhes da boca, nem o fazem propriamente por mal, sem perceberem o mal que fazem. E escudam-se normalmente na piada, na brincadeira, para justificar essas tiradas alimentando assim quem vive da luta anti-racista para se sustentar.É triste ver o planeta dividido em preto e branco quando a vida é tão melhor de todas as cores.

Há no entanto que perceber que a história não pode ser apagada. Que faz parte de nós e que como Marcelo Rebelo de Sousa disse, é feita de momentos bons e maus e tem que ser assumida como um todo.Uma história de vitórias e derrotas. Que deve ser contada como ela efetivamente foi, sem excessivos romantismos mas também sem querer julgar algumas atitudes de um passado longínquo com a nossa forma de pensar hoje em dia. Porque os tempos são diferentes e nunca poderemos vê-los à luz do nosso pensamento atual. Essa história traz todo um património com ela.Material e imaterial.Que deve ser respeitado até para em alguns casos se poder homenagear quem sofreu e mostrar às gerações vindouras o que correu bem e mal.Sabermos de onde viemos. Não há razão para essa história ser destruída ou vandalizada. Isso seria reescrevê-la cometendo os mesmo erros. Parece-me muito mais razoável usar espaços como os campos de concentração em Auschwitz na Alemanha ou o Tarrafal em Cabo Verde para homenagear os que ali pereceram. Para que a história não os esqueça.Senão teremos que apagar tudo, desde as pirâmides do Egipto à Roma Antiga. Não restará nada.

Estou farto que me chamem fascista ou comunista por cada posição que tomo. Não fui feito para rótulos nem tão pouco os escolhi. Incentivar o ódio e a discórdia leva-nos para os extremos onde se sentem bem os demagogos que vamos vendo crescer um pouco por todo o lado. Da Venezuela ao Brasil, dos EUA à China. Mas somos nós, os moderados, os culpados desta situação com a nossa inoperância e o nosso cinismo. Parece que às democracias se desculpa tudo só porque são democracias. Fomos pouco exigentes e esquecemo-nos de liderar pelo exemplo. As pessoas sentem-se tentadas a experimentar algo diferente porque se sentem traídas perante um sistema que falhou. Que lhes falhou. E a culpa é nossa.

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