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Crónicas

As formas da recessão

1. Livro: em décadas o mundo mudou radicalmente. Comparar o “como” vivermos hoje, com o “como” o fazíamos há 40 anos, é acertar numa grande série de diferenças. É fundamental que façamos paragens, digamos, higiénicas, para que não esqueçamos. “O Século XX Esquecido” de Tony Judt é um bom livro para isso.

2. Disco: o DJ/produtor Eric Kupper agarrou nas músicas mais emblemáticas de Diana Ross e remisturou-as. “Supertonic: Mixes”, resulta muito bem, num revivalismo bem feito, a apelar à dança.

3. São várias as maneiras como as economias reagem às crises que as afectam. Esta que vivemos é o resultado de um problema de saúde pública, mas creiam que vai ser muito maior de economia. Os governos decretaram o fecho de quase tudo, o que provocou um colapso dos mercados e um óbvio restringir de liberdades. Proibição de viajar e de deslocamento dito desnecessário, encerramento de negócios não essenciais (afectando essencialmente as micro, pequenas e médias empresas), distanciamento social e o que isso implica, tudo medidas que com graves consequências económicas e consequente recessão.

“Layoff’s”, desemprego, falência de empresas, necessidade de aceder a crédito bancário, perda de poder de compra, tudo factores que nos levam para a beira de um precipício onde temos de evitar cair.

O que pode suceder como modo de recuperação? A explicação socorre-se da forma de algumas letras para ajudar a compreender o que pode vir a acontecer. Comecemos por aceitar que uma recessão é “um declínio significativo da actividade económica repartido pela economia, com uma duração superior a alguns meses, normalmente visível no PIB, no rendimento real, no emprego, na produção industrial e nas vendas por grosso e a retalho”. Graças a Deus, as recessões e as crises não duram para sempre. Pode demorar, mas há sempre recuperação e esta prende-se com o modo como as gerimos, como as combatemos. Tem a ver com o que os governos fazem.

No melhor cenário, a recuperação assume a forma de um “V”. A actividade económica desce e, depois de atingir o ponto mais baixo, começa rapidamente a recuperar. Os danos não serão muito grandes, porque se dá uma rápida recuperação. A pandemia não nos vai deixar recuperar dessa maneira. Os danos causados são enormes e a reacção está a ser muito lenta, tanto ao nível nacional como europeu.

Temos, depois, o cenário em forma de “U”. A economia desce de forma abrupta e demora muito a recuperar, pois a curva de subida é lenta. Pode demorar muitos meses, ou mesmo anos, a dar a volta. Segundo alguns, a crise de 2008 teve esta forma. Não concordo, mas já volto a isto. Se este for o formato, só começaremos a recuperar lá para meados do ano que vem. E estou a ser optimista. O aumento do desemprego e as falências, vão impedi-lo.

O pior dos cenários assume a forma de um “L”. A economia cai abruptamente, como sucedeu, e não se vislumbra modo de recuperação, que pode demorar anos a acontecer. Tenhamos em consideração que, quando falamos de recuperação, isso tem a ver com o atingir os níveis anteriores à crise. Se tudo correr mal, mas mesmo tudo, é nisto que vamos acabar por cair.

O mais plausível que venha a suceder é o formato “W”, onde a primeira subida é curta para, depois, voltar a acontecer uma quebra e, só então, a recuperação. Tivemos a queda da economia causada pelo COVID, vamos encetar uma pequena recuperação, com o regresso da actividade económica, para depois chegar um verdadeiro trambulhão, motivado pelo impacto do desemprego e das falências. Um “W” um pouco distorcido. Se olharmos para a crise de 2008 e a sua recuperação, que descamba na crise de 2011, não é difícil entendermos o desenho desta letra. Mas, cuidado, porque uma segunda vaga pode criar uma espécie de duplo “W”, se as medidas tomadas no que refere à saúde pública forem iguais às decididas na fase Março/Abril.

Por melhor que nos preparemos, é com um dos cenários acima descritos que vamos ter que lidar.

Como disse Friedman: “There ain’t no such thing as a free lunch” (“não há almoços grátis”) e tudo o que fizermos agora definirá o que lá vem.

4. Corre por aí uma petição para a abolição do partido Chega por “ideologia fascista”. Os seus autores, acusam André Ventura e o seu partido de violar a Constituição da República. Não a vou assinar. Não assino, porque não penso que o Ventura ou o Chega sejam fascistas. O Ventura é um populista e, como tal, idiota. No Chega, onde até concebo que existam fascistas, andam inúmeros enganados com o facilitismo da argumentação básica do populismo. Não assino, porque o partido foi aprovado pelo Tribunal Constitucional onde o crivo é muito apertado, que não viu nada a que se opor. Para mim, “chega”. Não assino, porque penso que a subida de votos em partidos desses (e atenção que há populismos, à direita e à esquerda, no nosso espectro partidário), são denotadores de que a nossa democracia não está bem. E não está bem, mesmo, e isso não é de agora. Não assino, porque prefiro combatê-los sabendo quem são e onde estão do que ter de o fazer com eles escondidos. É este o “bom combate”! Abrir agora esta porta, é abrir uma caixa de Pandora.

Alegam, os defensores da pretensa ilegalidade, que o objectivo desse partido é o de derrubar a democracia. Vamos admitir que assim seja. Se o conseguirem fazer, é só sinal de que a nossa democracia é disfuncional, que é coxa. Uma democracia forte e plena, nunca será derrubada por porcarias dessas. A nossa preocupação não pode estar virada para petições sem sentido. Deve, isso sim, ser direccionada para o modo como a democracia funciona, de maneira a que todos nela se revejam.

Derrotemos os populismos de esquerda e de direita, pelo argumento e pela qualidade da democracia. Nunca com repressão, outra coisa de que também não gosto mesmo nada. Alertam-me amigos para o facto de o Chega estar a subir nas sondagens. Se sobe, reafirmo-o, é porque a nossa democracia está defeituosa. Os partidos existentes são, na generalidade, uma merda; o sistema político está podre; a corrupção grassa. Não podemos querer acabar com a consequência e esquecer as causas. O problema são as causas, não é o Chega. Aqui e em tanto sítio, por esse mundo fora.

Vão ver se existem problemas destes na Dinamarca, na Nova Zelândia, na Finlândia, na Suécia, na Suíça, na Noruega, na Holanda, no Canadá, tudo países com democracias funcionais.

Citar Karl Popper, um liberal que disse que temos de ser intolerantes com os intolerantes, para tentar demover-me do que penso, não chega. Uma coisa é ser intolerante com os intolerantes e outra coisa é suprimir os intolerantes. Acabo com o resto da citação de Popper que, só em condições muito especiais e depois de tudo esgotado, admitia proibir o intolerante: “nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; desde que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente a opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente.”

Se gosto do Chega e do que representa? Não, mesmo nada. Mas se acabarmos com as razões que levam algumas pessoas a seguir o Chega, tornamos os Venturas residuais. Além de melhorarmos a qualidade da democracia e da vida de todos nós.

5. “Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o Estadista. É assim que há muito tempo, em Portugal, são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?” – Eça de Queirós, finais do Séc. XIX

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