>
País

Livreiros e editores açorianos preparam-se para futuro incerto

EDUARDO COSTA/LUSA
EDUARDO COSTA/LUSA

Em tempo de pandemia de covid-19, e num mercado pequeno, livreiros e editores dos Açores preparam, com esperança, o futuro incerto, mas apontam a falta de uma política para o setor.

“Este tempo tem-nos servido, também, para passarmos daquela primeira fase do choque e, a partir daí, temos imaginado muito. A nossa imaginação tem-nos trazido algumas soluções, até bastante criativas, para falarmos de livros, não só pelas redes sociais”, afirma à agência Lusa José Carlos Frias, dono da livraria SolMar, instalada num centro comercial, em Ponta Delgada.

O livreiro reconhece que este é um tempo de “incerteza completa”, que dificulta “o agendar de programa, projetar, investir, editar”.

“Será que vem a segunda vaga, será que não? O Natal, que é a bóia de salvação para as livrarias, o turismo, que já era uma parte muito importante para a livraria... Tudo isto tem-nos feito repensar a estratégia”, concretiza.

E a incerteza tempera-se com esperança numa mudança: “Falou-se que ficar em casa poderia influenciar a criação de hábitos de leitura. Vamos ver, pode ser um acréscimo para nós, em termos de leitores e compradores de livros, pode ser uma luz ao fundo do túnel”.

Entretanto, aguarda-se a reabertura, porque há uma “necessidade de [se estar] mais próximos, respeitando as regras, como as pessoas sentem a necessidade do livro físico, que é uma coisa que trouxe muita alegria no meio deste processo todo”.

A livraria, que edita sob a chancela Artes e Letras, tinha “programadas quatro apresentações [de edições próprias], só no mês de abril”.

“O trabalho da editora está feito, os livros vão sair e havemos de recriar, reinventar a forma de os apresentar. Não vamos deixar de fora nenhuma forma de editar e de criar eventos com os nossos livros e livros de outras editoras”, asseverou.

Nos próximos tempos, pelo menos quatro títulos sairão das gráficas, na área da história, da literatura de viagens e também na área infantil.

É quando se fala no quadro geral que a sua voz desanima. José Carlos Frias recorda que estes “são negócios fragilizados à nascença. Só 60% dos portugueses leem um livro por ano.”

O livreiro considera que os apoios avançados pelo Ministério da Cultura para a aquisição de livros a pequenas livrarias e editoras, “num montante de cinco mil euros por cada editora e livraria, num valor total de 400 mil euros, é muito, muito pouco” e não tem “a mínima dúvida de que muitas livrarias e muitos editores vão fechar portas” no rescaldo da pandemia, porque este “tem sido um setor muito massacrado”.

É também assim que Carlos Alberto Machado, gerente da Companhia das Ilhas, vê o panorama. A editora, que fundou em 2012, publicou, em oito anos, mais de 200 títulos, com os quais espera conseguir “a totalidade dos apoios” concedidos pelo Governo a pequenas editoras.

O responsável da editora, cossignatária de um movimento de pequenas e médias editoras, que fez chegar ao Ministério da Cultura várias propostas de medidas de apoio ao setor, considera que os apoios do governo são “uma gota no oceano”.

Ficam por concretizar medidas propostas pelo movimento, como a redução da taxa de IVA dos livros, a redução da carga fiscal das gráficas e apoios à aquisição de materiais de impressão e acabamentos, bem como medidas de redução da carga fiscal das livrarias, ou verbas atribuídas por concurso às editoras, para os seus autores realizarem, ao longo de cada ano, conversas com leitores, em escolas, bibliotecas ou outros espaços das comunidades.

Acima de tudo, falta a “democratização do acesso ao livro”, afirma o editor, mencionando que “o Plano Nacional de Leitura não funciona, não há divulgação cultural” e que “a distribuição é um problema muito complicado, que devia ter intervenção do Estado”.

“É um dos aspetos que ficam sempre por resolver, porque se vai pelo caminho mais fácil, que é o de distribuir algum dinheiro, mas não se tomam medidas de fundo”, atira.

“Os livros [agora comprados pelo Estado] vão para fora do país. O país continua deficiente neste aspeto, as bibliotecas não têm livros, mesmo dos chamados clássicos -- esse é um assunto de fundo”, reclama, afirmando que “não há uma política para o livro” e que essa “é uma questão fundamental com que toda a gente está de acordo”.

O programa lançado pelo Ministério da Cultura, cujo prazo de candidaturas já terminou, irá adquirir livros, até um máximo de cinco mil euros por editora e livraria, para serem distribuídos pela Rede de Ensino de Português no Estrangeiro e Rede de Centros Culturais, num valor total de 400 mil euros.

No meio de “fortes constrangimentos”, a Companhia das Ilhas prepara-se para lançar, até junho, autores como Rui Pina Coelho, George Tabori, Nuno Félix da Costa e Nuno Dempster.

Até outubro, sairão outros sete títulos, entre os quais “Afagando a Face de Lorca”, antologia poética com seleção e tradução de Francisco José Craveiro de Carvalho, uma compilação de ensaios literários de Urbano Bettencourt e “Vítor Silva Tavares e a & etc.”, de Emanuel Cameira.

À falta de melhor, a Companhia das Ilhas vai vendendo ‘online’ e implementou o sistema de pré-venda de novos títulos.

Para já, está garantido que, entre dificuldades, a atividade dos livreiros continuará. “O normal, antes de haver a pandemia, já não era muito bom. Nós continuamos”, promete Carlos Alberto Machado.

“Nós gostamos muito do que fazemos. Também há aqui um lado de missão. Achamos que a poesia e o teatro, a ficção e o ensaio escritos por autores portugueses, se nós não o fizermos, e outros não o fizerem, é uma parte da cultura portuguesa que se vai embora. Temos esse dever, quase cívico, de contribuir”.

Fechar Menu