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Crónicas

A dimensão da presunção

1. Livro: “Como se Renovam as Nações” de Jared Diamond. Excelente para ser lido em épocas de crise como esta que atravessamos. O autor determina a existência de 12 factores a ter em conta num estado de crise e que aqui deixo, como achega: 1. haver um consenso nacional de que a nação está em crise; 2. aceitação da responsabilidade nacional de reagir; 3. delinear com clareza os problemas nacionais que precisam ser resolvidos; 4. obter ajuda material e financeira; 5. Procurar noutros países modelos e soluções que, devidamente adaptadas, ajudem a resolver problemas; 6. preservar a identidade nacional; 7. auto-avaliação; 8. experiência histórica de crises anteriores; 9. conseguir lidar sem drama com o fracasso; 10. flexibilidade e capacidade de, a cada momento, conseguir a adaptação necessária; 11. nunca se afastar dos valores essenciais que definem a identidade nacional; 12. esquecer as restrições geopolíticas da realpolitik.

2. Disco: Saiu o primeiro trabalho dos madeirenses Thus Unspoken. “Prying Fiction” é um discaço. Rock progressivo do melhor que tenho ouvido ultimamente. Lee Jones e Renato Gomes revelam uma maturidade e um profundo conhecimento do género. Reconhecem-se influências, mas o todo é muito original. Disponível nas diferentes plataformas.

3. Quando alguém quer ser respeitado, o primeiro que tem que fazer é respeitar. Quando não queremos que nos imponham ideias, não podemos sequer pensar em impô-las aos outros. Se a ideia é a do debate, há que saber falar e ouvir.

Nos tempos que correm quase precisamos de um manual de sobrevivência para conseguirmos ter uma qualquer discussão rasgadinha. Muitas das vezes, são só os nossos interlocutores que são bem-intencionados e, quem não concorda, é logo despachado com um selo na testa.

Só eles têm causas sociais, são os “donos” dos interesses do povo, pertence-lhes uma moral e uma ética muito superior à de quem com eles não concorda. Têm a sobranceria da razão que pensam que têm.

Se há coisa que me bule com os nervos, é haver uns iluminados que se acham os únicos com preocupações sociais, de deterem o exclusivo da repartição da riqueza, os que melhor sabem como alcançar o sonho e o futuro. Não se consegue trocar ideias com esta gente, porque a conversa torna-se de sentido único onde, de um lado, estão os índios e, do outro, os cobóis, num mundo a preto e branco onde impera a razão (deles). Pelos seus olhos a terra prometida está ali, ao virar da esquina.

Enquanto nós, os “outros”, os do pensamento “desviante”, nem entre nós conseguimos concordar, reconheça-se a estes virtuosos uma enorme capacidade de unidade sempre que esta é precisa.

Não gostam do livre arbítrio, da capacidade que cada um tem de decidir, em liberdade, se quer ser vítima ou protagonista da sua vida. É sempre melhor que haja quem governe a vida de todos.

É urgente deixar a política regressar ao discurso elevado, ao discurso estruturado, ao discurso que não tenha medo da verdade. Que voltem as narrativas responsáveis que se afastem da concordância fácil e do que a maioria quer ouvir. Que se afaste do politicamente correcto e chame os bois pelos seus nomes.

4. Julgo que estaremos todos de acordo de que a Democracia tem uma relação de causa efeito com as eleições. Sendo mais claro, não há democracia sem eleitos. Também não criará nenhuma dificuldade aceitar que uma eleição é o acto formal de uma decisão colectiva tomada por maioria. A Autonomia da Madeira está sustentada na democracia e a sua gestão resulta de um processo eleitoral, onde se elegem os representantes do povo que vão constituir a Assembleia Legislativa da Madeira. Somos, então, um modelo de autonomia sustentado numa democracia representativa.

Aos eleitos, com a aplicação do Método de Hondt, designados como deputados, competem decisões importantes que têm a ver com a nossa vida, com o nosso futuro.

A coberto da pandemia que vivemos, deste momento excepcional, a maioria PSD/CDS na ALM fez aprovar, uma alteração ao seu regimento que permite que um deputado de uma bancada represente o voto de toda ela. Conseguiram, os pseudo-renovados do PSD e os encaixados do CDS, validar algo que, no passado, uns não se atreveram a aprovar e outros condenaram energicamente.

Se, da parte do PSD, já não há muito o que me admire ou espante, da parte do CDS estou constantemente a ser assombrado com a enorme capacidade que têm de mudar de opinião, defendendo agora o que renegavam no passado.

É óbvio que a razão que leva a isto só tem a ver com o facto de a actual coligação estar presa por um voto. Um atraso, uma falta inesperada, e esfuma-se a maioria.

Democracia não é isto. Evidente que, em casos de excepção, como o que vivemos, se pode aceitar que, por razões de segurança, os grupos parlamentares possam ser representados pela direcção parlamentar e mais uns quantos deputados, mas é inconcebível que isso assim seja em tempos de normalidade. PSD e CDS conseguiram fazer de uma excepção (que se pode entender em casos muito particulares) uma regra. Uma má regra com objectivo claro: não serem prejudicados por possíveis faltas.

Já na passada semana, falei neste caso e termino com o que escrevi na altura: os responsáveis por este ataque à democracia têm nomes e estão sentados nos grupos parlamentares do PSD e do CDS. Que o futuro os responsabilize.

5. Fui procurar o significado de presunção. Encontrei vários e todos coincidentes: afectação, vaidade; sentimento ou opinião de grande valorização que alguém tem em relação a si próprio (Priberam Dicionário).

“Na sexta-feira, passados cinco dias da reabertura, graças a Deus e graças ao grande Governo Regional, até agora as coisas estão a correr bem” (sic). São declarações prestadas pelo “grande” Secretário da Economia, o “colossal” Rui Barreto. Deixando de lado o arrazoado, relevo a presunção. Que o “descomunal” Rui Barreto pense que o “gigantesco” Governo é “grande”, é uma coisa, mas fica mal ao “imenso” Rui Barreto verbaliza-lo. Demonstra soberba, imodéstia e vaidade.

6. O PCP diz que a Festa do Avante “não é um simples festival de música”. Com isto lançou poeira para alguns olhos e já temos o Primeiro-ministro a papaguear. A Festa do Avante é um encontro aonde vai muita gente. Qual é a parte que tem a ver com os ajuntamentos que o PCP não percebe? Bem sabemos que a festarola serve para encaixar uns cobres para os cofres do partido e que, ainda por cima, não pagam IVA, mas não pode haver tratamentos diferenciados.

Tenham, lá os comunistas, a santa paciência e reservem a “cassete” para o ano seguinte. Há de lá ir muito povo, na mesma.

7. No debate quinzenal na Assembleia da República, a uma pergunta de Catarina Martins, António Costa respondeu negando que o Estado tenha emprestado mais 850 milhões ao Novo Banco.

Afinal tinha-o feito.

No dia seguinte o Primeiro-Ministro pediu desculpas ao Bloco de Esquerda.

Devia era ter pedido desculpa a todos os portugueses!

8. “É o pão nosso de cada dia. O incompetente apresenta-se sempre a si mesmo como perito, o cruel como piedoso, o pecador como santarrão, o usurário como benfeitor, o mesquinho como patriota, o arrogante como humilde, o vulgar como elegante e o parvalhão como intelectual. (...) Tudo obra da natureza que (...) é uma mãe cruel e voraz que precisa de se alimentar das criaturas que vai parindo para continuar viva.” - Carlos Ruiz Zafón

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