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O Dia Mundial de...?

Precisamente no dia de hoje, há 75 anos, reuniram-se em São Francisco 850 delegados de 50 nações, representando mais de 80% da população do mundo, para, durante dois meses, em 400 reuniões técnicas e 10 sessões plenárias, deliberarem sobre o texto definitivo da Carta das Nações Unidas. Esta Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional teve por objetivo restaurar a paz mundial e definir regras da ordem de um mundo pós-guerra. As assinaturas seguiram-se em junho e a organização começou a sua atividade em outubro. Passados três quartos de século, a organização está presentemente composta por 193 estados e continua a figurar como o maior polo internacional de diálogo coletivo. Para elevar a consciência do papel dos representantes e delegados dos estados membros, no ano passado a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou este dia o Dia do Delegado Internacional.

É, então, hoje o dia em que, pela primeira vez, e numa situação absolutamente singular, se comemora a atividade das pessoas nomeadas pelos estados para os representar, falar e votar, salvaguardando os seus interesses, mas procurando encontrar posições multilaterais. O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou recentemente que a pandemia que estamos a viver requer resposta unida, sem estigma e com o enfoque particular nas pessoas mais vulneráveis, e que, por conseguinte, a colaboração internacional nunca foi mais importante.

Palavras essas que, apesar de certamente aplaudidas nas salas e salões, não se repercutem tanto no terreno, onde neste momento parece mais fácil e quase até mais barato adquirir milhares de barris de petróleo (há dias nos EUA era preciso pagar para que alguém levasse o petróleo) do que os equipamentos de proteção individual, onde as encomendas dos EPI estão a ser desviadas (ilegalmente?) de um país para outro, não chegam, estão a ser roubadas, vendidas no mercado negro ou tornam-se objetos de especulação.

Quase na mesma altura em que Guterres fez essa declaração, o diretor executivo do World Food Programme (Programa Mundial de Alimentos) falava, numa sessão da ONU, sobre o iminente perigo de uma pandemia de fome “de proporções bíblicas”, que, precipitada pela Covid-19, podia brevemente resultar em 300 mil mortes por dia, de um universo de 821 milhões de pessoas sem alimentos assegurados. Mais concretamente, 135 milhões em 55 países terão de escolher entre a malnutrição e a exposição ao coronavírus e o total de 265 milhões de pessoas poderão estar à beira da inanição até ao fim deste ano.

Mas a calamidade não pára aqui. Hoje é também o Dia Mundial de Malária. Esta doença ainda mata 300 mil pessoas anualmente e, por cada dois minutos que passam, leva a vida de uma criança. Cerca de 3.3 mil milhões de pessoas em 106 países estão em risco de a contrair. E agora não se afigura bem prioritária nas agendas políticas e esforços coordenados de erradicação.

A que distância estamos de a dominar mundialmente? A que distância estamos de perceber se a Covid-19 ficará a nossa companheira para sempre, tal como a gripe, e se a conseguimos dominar? A que distância é que estamos de equilibrar o mundo de modo a que 1.3 mil milhões de toneladas de comida desperdiçada (um terço do total produzido) possam alimentar os carenciados?

Continuando a multiplicar-se os desafios globais, e sem uma resposta concertada e verdadeiramente coordenada, não apenas nas declarações no papel, na boca dos políticos e na publicidade tendenciosa, qual será a proverbial gota d’agua ou a palha, que nos vai levar para além da nossa capacidade da resposta global, comprometendo ainda mais a nossa sobrevivência e o equilíbrio precário com o planeta que temporariamente habitamos?

Pois, foi para isso que a ONU foi constituída, para promover o diálogo e a articulação de respostas a problemas, tanto locais como globais. Quiçá. Os tais delegados conversam e conversam...ou não...mas não são mais do que os porta-vozes da política externa do seu país. E não fazem, muito provavelmente, nem mais nem menos do que deles é exigido pelos seus países. Países? Primeiros-ministros, reis, parlamentos, chancelers, presidentes, sultões... E por detrás deles, lobbies industriais, farmacêuticos, financeiros, das armas, das petrolíferas, do tabaco, álcool,... enfim. Talvez seria então mais sensato promover um Dia Mundial de...”Ter Juízo”, para todos eles? Antes que chegue o Final.

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